Estava eu, frente ao computador parado e pensativo, procurando nalguns dos blogs desta família apícola, alguma explicação mais profunda e certeira para aquilo que causou nalguns, percas significativas, no meu caso a perca total das minhas quinze colmeias, se não quando, a Tyla, a esposa e companheira dos bons e maus momentos, me desperta para o jantar, libertando-me dum sono quiçá suave, mas tão belo e retemperador, pelo sonho de criança que o envolvia:
"O Fernando, traquina e espertalhão, tinha nos seus nove anitos a alegria e irrequietude próprias para a idade. Sempre pronto a fazer um recado ou a dar uma ajuda, mas também com a certeza de que era sempre recompensado. Os cinco tostões ou um outro miminho, que amiudadas vezes recebia, não faltavam sempre que ele se dispunha, numa correria desenfreada, em ir á loja, ou ajudar em qualquer coisa. E a sua disponibilidade e gosto de ajudar eram incondicionais para o Ti Firmino (gato). O Ti Firmino, carpinteiro e tanoeiro de profissão, era uma personagem austera mas lá no fundo um tipo porreiro, e o Fernando gostava d'ele.
É que este, tinha sempre um miminho, uma recompensa tão especial…
Nos seus nove anitos, não era a vontade de trabalhar ou fazer qualquer coisa que o impelia, mas a recompensa do Ti Firmino.
E desde as descamisadas, ás descaroladas ou ao aperto do engaço, lá estava o puto ás vezes a estorvar mais que a ajudar.
Certo dia, quase noite, lá vem o Ti Firmino com um cortiço às costas e grita:
-olha lá rapaz, pede lá á tua mãe, e vem comigo que agente não se demora.
E assim foi, perto do cemitério, num pinheiro "rabuseiro", havia algo bastante volumoso e negro que pendia de um ramo. Um enxame que fugira de um qualquer cortiço. Lá colocou estrategicamente o cortiço que previamente esfregara com rosmaninho e besuntara de mel, e pediu-me que na cadência que me ensinou, fosse batendo no mesmo, enquanto ele ia cantarolando:
-casa nova, abelha-mestra; casa nova, abelha-mestra; casa nova, abelha-mestra.
E foi assim que o enxame entrou na totalidade para o cortiço que depois carregou até casa onde o colocou no sítio que previamente preparara.
Lembro aqui os conhecimentos empíricos aplicados na tarefa porquanto não houve luvas, nem máscaras nem nada que nos pudesse proteger e diga-se em abono da verdade não houve uma picadela sequer.
Agora em casa, faltava o tal miminho p’ró puto reguila. Um pão saloio sobre a toalha rendada, e duma ida á adega lá vinha naquela taça de barro o petisco tão adorado.
Mel, para barrar sobre o pão de trigo, numa época em que imperava a broa (pão de milho).
Até lambia os beiços!...
E era comer até empanturrar que tão breve não apanhava outra oportunidade.
Ás vezes tentava. Até se oferecia para fazer qualquer coisa. Então?! Era tão bom pão com mel! O Ti Firmino já partiu, e agora é o Fernando que procura apanhar os enxames que fogem mas, hoje que já passou dos cinquenta, ainda mantém, e cada vez mais apurado, um gosto que felizmente vai degustando com alguma regularidade:
comer pão com mel. "
Lá fui jantar, mas fiquei com pena. Com pena de ter acordado. Aquele sonho, que me levou aos tempos de criança e á vivência com as pessoas de que gostava, foi no entanto o bálsamo que, cada vez com mais força, me impele a recomeçar do zero esperando que, também daqui a algumas dezenas de anos, alguém se possa recordar com prazer, das abelhas e do mel do Fernando.